Eliana Gialain, então gerente de recursos humanos da área de vendas da Unilever, estava prestes a completar 30 anos e a um passo de ser promovida ao cargo de diretora, quando decidiu deixar a empresa.
Formada em administração pela Fundação Getúlio Vargas, em 1996, ela era considerada uma profissional com "alto potencial de crescimento". "Embora os ventos fossem favoráveis, descobri que o mundo corporativo não era o que eu queria", justifica. Eliana demitiu-se em 2007 e matriculou-se no curso de mestrado da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP) com a intenção de fazer uma transição na carreira que lhe garantisse mais autonomia, satisfação pessoal e liberdade. "Hoje, trabalho como consultora. Ganho menos, mas levo uma vida de melhor qualidade."
A decisão de Eliana- que, há uma década, poderia ser qualificada de imatura e até de irresponsável-, é típica de um movimento cada vez mais comum no mundo do trabalho, denominado "opt out". O termo- que numa tradução livre significaria optar por fora ou, no caso, afastar-se de uma organização- foi cunhado em 2003 pela jornalista Lisa Belkin, em reportagem publicada no "New York Times", para descrever a iniciativa de um número alarmante de mulheres executivas, altamente qualificadas, que, na época, trocavam a carreira pela maternidade. O termo foi posteriormente apropriado por especialistas em carreiras, como Lisa Mainero e Sherry Sullivan, para analisar o crescente êxodo de profissionais de ambos os sexos que, voluntariamente, decidem romper com as formas de carreira tradicionais. "Qualquer decisão que interrompa as premissas clássicas de ascensão na carreira- maior remuneração, mais status ou mais responsabilidade profissional- caracteriza o 'opt out'", define Ana Carla Scalabrini, autora de uma tese de mestrado sobre trajetórias descontínuas, defendida na FEA - USP, um dos primeiros estudos sobre o tema no Brasil.
O movimento "opt out", por isso, diz respeito a formas muito específicas de afastamento do trabalho, ela enfatiza. Uma dessas formas está exemplificada no caso de Eliana, que recusou uma promoção e deixou a Unilever, redirecionando sua carreira para fora do ambiente corporativo. Outra manifestação de "opt out" descreve situações temporárias ou definitivas de afastamento para, por exemplo, investir na qualificação. É o caso de Maria Ângela Loguercio Bouskela, médica, pós-graduada em pediatria e com um MBA pela USP, que fez carreira na indústria farmacêutica. Começou dando aulas na área de treinamento do laboratório Roche e em 17 anos, tornou-se diretora da divisão de biotecnologia/hospitalar- que na época chegou a representar 60% do faturamento da empresa - administrando um time de 250 pessoas. Deixou a Roche em 2005 para assumir a gerência geral Brasil de um laboratório norte-americano.
No ano passado, aos 47 anos de idade, deixou a empresa, para renovar "habilidades essenciais no exercício de liderança e comando de empresas". Foi aprovada no curso de Leadership Coaching, na Georgetown University, e mudou-se para Washington com o marido. "O curso oferece recursos para transformar o executivo em uma pessoa plenamente consciente de seu espaço, suas declarações e compromissos e abre também a possibilidade de um novo plano de carreira como coach de executivos, já que a universidade confere o Federal Coach Certificate", ela explica. O investimento é alto e Maria Ângela está financiando o seu novo projeto. "Minha estratégia, de ter sido sempre econômica, facilitou a decisão de investir em aquisição de conhecimento nesta fase da carreira e da vida. Quando o executivo sente que é hora de respirar fundo, mergulhar e renovar com completa independência e autonomia, é preciso estar preparado para isso", sublinha. Ela não descarta a possibilidade de voltar ao mercado farmacêutico. "Já tenho convites para ficar nos Estados Unidos, mas não excluo a possibilidade de voltar ao Brasil."
Uma terceira forma de "opt out" se caracteriza pela decisão do profissional de deixar o mundo corporativo para empreender. E um bom exemplo é o de Luiz Menezes, engenheiro de mineração formado pela Escola Politécnica da USP, em 1973, que, ao longo da carreira, chegou ao cargo de diretor na Serrano S.A. de Mineração, atualmente Bungue Fertilizantes. Vivenciou os efeitos da crise do petróleo, na década de 1980; o impacto das políticas do governo Collor para o setor no início da década de 1990; suportou, tanto quanto pôde as pressões corporativas por resultados até capitular ante uma "paixão" literalmente infantil: a de colecionar minerais, coisa que fazia desde os dez anos de idade. A paixão virou negócio. Menezes instalou-se em Belo Horizonte e exporta quartzo, turmalinas, topázio, entre outros, encontrados sob a forma de cristais bastante apreciados pelos colecionadores. "A crise afetou duramente esse mercado e muitos acham que sou louco de continuar no negócio, mas o que realmente sei fazer bem e gosto de fazer, é trabalhar com minerais". Prova disso é que entre as 15 espécies minerais descobertas no Brasil e que levam o nome de brasileiros, uma delas é a "menezesita."
Os rumos que Eliana, Maria Ângela e Menezes deram às suas carreiras, movimentando-se para fora do mercado, não são casos isolados. Em sua tese de mestrado, Ana Clara consultou 248 ex-alunos de graduação e pós-graduação da FEA-USP reunidos em encontro promovido pela universidade, em 2007, a maioria altamente qualificada, com vivência no exterior e metade ocupando cargo de comando em organizações. Ela constatou que 60,3% - numa proporção semelhante de homens e mulheres- já tinham feito algum tipo de "opt out" em suas carreiras. Cerca de 33% se afastaram de cargos para se qualificar ou cuidar da família, por exemplo; 30,3% adotaram caminhos alternativos de carreira que implicaram na redução de jornada e de responsabilidades; e 19% saíram para empreender. "É uma decisão difícil, já que implica, muitas vezes, em perda salarial e alguma discriminação", reconhece Ana Clara, ela mesma egressa do mundo corporativo para o mercado de consultoria em recursos humanos.
Esse movimento, de acordo com Ana Clara é, em parte, a contrapartida do novo formato de organização assumido pelas empresas na última década, que substituiu a evolução ascendente de profissionais na estrutura hierárquica, por trajetórias baseada na competência e na habilidade dos indivíduos. Rompidas as amarras com a organização, os indivíduos podem transitar livremente entre várias empresas, empreendendo um projeto de carreira sem fronteiras. Nesse novo contexto, afastamentos definitivos ou temporários do mercado- para, a qualquer tempo, realizar um curso de mestrado ou MBA, por exemplo - podem se vistos como parte de um projeto profissional.
Mas o "opt out" também pode expressar o protesto "de corações e mentes" contra as pressões e a baixa satisfação no ambiente de trabalho, ela sublinha. "Três parâmetros norteiam as decisões de carreira: autenticidade, balanço e desafio. Em certos momentos, um deles fica em evidência", explica a autora do estudo. O parâmetro autenticidade está ligado à questão da identidade e ao auto-conceito e induz o indivíduo a questionar-se sobre a escolha certa. O balanço, diz respeito à busca pelo delicado equilíbrio entre as atividades pessoais, profissionais e familiares. E o desafio está relacionado às necessidades de aprendizado, novas experiências e investimento na competência.
"A cada momento da vida profissional, um desses parâmetros ganha força para modelar um movimento de carreira", afirma Ana Clara. Se o dinheiro está curto, as questões profissionais ganham prioridade; se a demanda é familiar, os ajustes podem contemplar um melhor atendimento aos filhos e marido. Mas, quando esses dois parâmetros estão "inativos", há espaço para questões existenciais do tipo: "Estou fazendo o que queria da minha vida?"
Essa foi a pergunta que colocou Eliana fora da Unilever. "A dinâmica do mundo corporativo é um seqüestro da vida, sobretudo para as mulheres. As empresas já se dão conta disso quando oferecem creches, períodos sabáticos ou quando permitem, por exemplo, que ela saia mais cedo para jantar com o filho. Mas aí ela vai trabalhar em casa, até meia noite, para dar conta de concluir sua tarefa profissional, sem dar atenção ao marido. Hoje, fora da empresa, levo uma vida mais feminina."
Formada em administração pela Fundação Getúlio Vargas, em 1996, ela era considerada uma profissional com "alto potencial de crescimento". "Embora os ventos fossem favoráveis, descobri que o mundo corporativo não era o que eu queria", justifica. Eliana demitiu-se em 2007 e matriculou-se no curso de mestrado da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP) com a intenção de fazer uma transição na carreira que lhe garantisse mais autonomia, satisfação pessoal e liberdade. "Hoje, trabalho como consultora. Ganho menos, mas levo uma vida de melhor qualidade."
A decisão de Eliana- que, há uma década, poderia ser qualificada de imatura e até de irresponsável-, é típica de um movimento cada vez mais comum no mundo do trabalho, denominado "opt out". O termo- que numa tradução livre significaria optar por fora ou, no caso, afastar-se de uma organização- foi cunhado em 2003 pela jornalista Lisa Belkin, em reportagem publicada no "New York Times", para descrever a iniciativa de um número alarmante de mulheres executivas, altamente qualificadas, que, na época, trocavam a carreira pela maternidade. O termo foi posteriormente apropriado por especialistas em carreiras, como Lisa Mainero e Sherry Sullivan, para analisar o crescente êxodo de profissionais de ambos os sexos que, voluntariamente, decidem romper com as formas de carreira tradicionais. "Qualquer decisão que interrompa as premissas clássicas de ascensão na carreira- maior remuneração, mais status ou mais responsabilidade profissional- caracteriza o 'opt out'", define Ana Carla Scalabrini, autora de uma tese de mestrado sobre trajetórias descontínuas, defendida na FEA - USP, um dos primeiros estudos sobre o tema no Brasil.
O movimento "opt out", por isso, diz respeito a formas muito específicas de afastamento do trabalho, ela enfatiza. Uma dessas formas está exemplificada no caso de Eliana, que recusou uma promoção e deixou a Unilever, redirecionando sua carreira para fora do ambiente corporativo. Outra manifestação de "opt out" descreve situações temporárias ou definitivas de afastamento para, por exemplo, investir na qualificação. É o caso de Maria Ângela Loguercio Bouskela, médica, pós-graduada em pediatria e com um MBA pela USP, que fez carreira na indústria farmacêutica. Começou dando aulas na área de treinamento do laboratório Roche e em 17 anos, tornou-se diretora da divisão de biotecnologia/hospitalar- que na época chegou a representar 60% do faturamento da empresa - administrando um time de 250 pessoas. Deixou a Roche em 2005 para assumir a gerência geral Brasil de um laboratório norte-americano.
No ano passado, aos 47 anos de idade, deixou a empresa, para renovar "habilidades essenciais no exercício de liderança e comando de empresas". Foi aprovada no curso de Leadership Coaching, na Georgetown University, e mudou-se para Washington com o marido. "O curso oferece recursos para transformar o executivo em uma pessoa plenamente consciente de seu espaço, suas declarações e compromissos e abre também a possibilidade de um novo plano de carreira como coach de executivos, já que a universidade confere o Federal Coach Certificate", ela explica. O investimento é alto e Maria Ângela está financiando o seu novo projeto. "Minha estratégia, de ter sido sempre econômica, facilitou a decisão de investir em aquisição de conhecimento nesta fase da carreira e da vida. Quando o executivo sente que é hora de respirar fundo, mergulhar e renovar com completa independência e autonomia, é preciso estar preparado para isso", sublinha. Ela não descarta a possibilidade de voltar ao mercado farmacêutico. "Já tenho convites para ficar nos Estados Unidos, mas não excluo a possibilidade de voltar ao Brasil."
Uma terceira forma de "opt out" se caracteriza pela decisão do profissional de deixar o mundo corporativo para empreender. E um bom exemplo é o de Luiz Menezes, engenheiro de mineração formado pela Escola Politécnica da USP, em 1973, que, ao longo da carreira, chegou ao cargo de diretor na Serrano S.A. de Mineração, atualmente Bungue Fertilizantes. Vivenciou os efeitos da crise do petróleo, na década de 1980; o impacto das políticas do governo Collor para o setor no início da década de 1990; suportou, tanto quanto pôde as pressões corporativas por resultados até capitular ante uma "paixão" literalmente infantil: a de colecionar minerais, coisa que fazia desde os dez anos de idade. A paixão virou negócio. Menezes instalou-se em Belo Horizonte e exporta quartzo, turmalinas, topázio, entre outros, encontrados sob a forma de cristais bastante apreciados pelos colecionadores. "A crise afetou duramente esse mercado e muitos acham que sou louco de continuar no negócio, mas o que realmente sei fazer bem e gosto de fazer, é trabalhar com minerais". Prova disso é que entre as 15 espécies minerais descobertas no Brasil e que levam o nome de brasileiros, uma delas é a "menezesita."
Os rumos que Eliana, Maria Ângela e Menezes deram às suas carreiras, movimentando-se para fora do mercado, não são casos isolados. Em sua tese de mestrado, Ana Clara consultou 248 ex-alunos de graduação e pós-graduação da FEA-USP reunidos em encontro promovido pela universidade, em 2007, a maioria altamente qualificada, com vivência no exterior e metade ocupando cargo de comando em organizações. Ela constatou que 60,3% - numa proporção semelhante de homens e mulheres- já tinham feito algum tipo de "opt out" em suas carreiras. Cerca de 33% se afastaram de cargos para se qualificar ou cuidar da família, por exemplo; 30,3% adotaram caminhos alternativos de carreira que implicaram na redução de jornada e de responsabilidades; e 19% saíram para empreender. "É uma decisão difícil, já que implica, muitas vezes, em perda salarial e alguma discriminação", reconhece Ana Clara, ela mesma egressa do mundo corporativo para o mercado de consultoria em recursos humanos.
Esse movimento, de acordo com Ana Clara é, em parte, a contrapartida do novo formato de organização assumido pelas empresas na última década, que substituiu a evolução ascendente de profissionais na estrutura hierárquica, por trajetórias baseada na competência e na habilidade dos indivíduos. Rompidas as amarras com a organização, os indivíduos podem transitar livremente entre várias empresas, empreendendo um projeto de carreira sem fronteiras. Nesse novo contexto, afastamentos definitivos ou temporários do mercado- para, a qualquer tempo, realizar um curso de mestrado ou MBA, por exemplo - podem se vistos como parte de um projeto profissional.
Mas o "opt out" também pode expressar o protesto "de corações e mentes" contra as pressões e a baixa satisfação no ambiente de trabalho, ela sublinha. "Três parâmetros norteiam as decisões de carreira: autenticidade, balanço e desafio. Em certos momentos, um deles fica em evidência", explica a autora do estudo. O parâmetro autenticidade está ligado à questão da identidade e ao auto-conceito e induz o indivíduo a questionar-se sobre a escolha certa. O balanço, diz respeito à busca pelo delicado equilíbrio entre as atividades pessoais, profissionais e familiares. E o desafio está relacionado às necessidades de aprendizado, novas experiências e investimento na competência.
"A cada momento da vida profissional, um desses parâmetros ganha força para modelar um movimento de carreira", afirma Ana Clara. Se o dinheiro está curto, as questões profissionais ganham prioridade; se a demanda é familiar, os ajustes podem contemplar um melhor atendimento aos filhos e marido. Mas, quando esses dois parâmetros estão "inativos", há espaço para questões existenciais do tipo: "Estou fazendo o que queria da minha vida?"
Essa foi a pergunta que colocou Eliana fora da Unilever. "A dinâmica do mundo corporativo é um seqüestro da vida, sobretudo para as mulheres. As empresas já se dão conta disso quando oferecem creches, períodos sabáticos ou quando permitem, por exemplo, que ela saia mais cedo para jantar com o filho. Mas aí ela vai trabalhar em casa, até meia noite, para dar conta de concluir sua tarefa profissional, sem dar atenção ao marido. Hoje, fora da empresa, levo uma vida mais feminina."
Cláudia Izique.
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